quinta-feira, 10 de novembro de 2011

INTERNACIONAL 2 – QUATRO MULHERES

José Juva

Quatro leituras do feminino e outras milhões embutidas


Focando a vida de algumas mulheres podemos ter as metáforas para compreendermos o universo de milhares, milhões de outras mulheres. E é esta a força das histórias das protagonistas do programa INTERNACIONAL 2 – QUATRO MULHERES, da IV Janela Internacional de Cinema. Uma jovem adolescente em sua jornada de iniciação e encontro com os espíritos do vodu haitiano, outra garota às voltas com os estranhamentos e as transformações provocadas pelo turbilhão de hormônios da adolescência, uma mulher adulta deslocada numa festa com cinco garotos em seus vinte e bem poucos anos e, finalmente, uma mulher criada na força de se travestir, atendendo os desejos sexuais de um sujeito moribundo.

Ousado, simultaneamente perturbador e delicado. Este é Fourplay: San Francisco, de Kyle Henry. Somos lançados num recorte do trabalho de uma drag, atendendo sexualmente no ambiente doméstico um sujeito em estado vegetativo, auxiliado por máquinas – ele se comunica pelo piscar de olhos. Depois de conversar com a esposa do sujeito, a drag vai para o quarto, onde o homem vive, sobre a cama. Sodomia, felação, podolatria – cabe tudo na entrega sincera da drag para animar e confortar o sujeito, que fica sempre com um ar de riso no rosto. No sexo distante do cotidiano e da ortodoxia, o homem reencontra as possibilidades para assegurar que permanece jorrando vida. “Você é uma máquina de sexo, baby. Está vivo.”, diz a drag.

Calcado numa estética experimental, num registro documental sutil, Sève, de Louise Botkay, acompanha o despertar do relacionamento de uma jovem haitiana com o mundo mítico e espiritual. Banho de ervas, danças, incensos. A garota recebe em sonhos o espírito de Marassa – este espírito representa o andrógino primordial, sendo apresentado também nas figuras do casal de gêmeos Mawu e Lissa. Temas como a fertilidade, a doçura, a bravura e a força giram diante dos olhos do espectador, amparados na vivência de iniciação da jovem. Frágil e pouco eficaz, Girl, de Fijona Jonuzi, conta a história de uma mulher adulta deslocada numa festa com cinco garotos por volta dos vinte anos. O filme amortece o espectador, também deslocado neste sobrevôo superficial sobre os silêncios constrangedores que envolvem as gerações.

Junior, curta realizado por Julia Ducournau é um experimento maduro. Atrai o espectador com uma narrativa permeada de assombros, lirismo, desconforto – como numa cena em que a garota revira profundamente a pele das costas. A jovem protagonista é insegura em relação ao corpo e às transformações típicas da idade – algo similar à estrutura da fábula do patinho feio. Embora o tema seja demasiadamente conhecido, o curta constrói uma assinatura própria ao traçar no corpo da jovem e no ambiente que a cerca, se utilizando de fortes materializações visuais das metáforas, as mudanças e transtornos por que passa. A garota fica bonita, quase irreconhecível, mas tem de aprender a lidar com gosmas que saem de seu corpo e encharcam o quarto. Para o espectador e para a personagem, a certeza de que é preciso voltar-se sobre si e encarar as próprias inseguranças para encontrar a sabedoria de uma vida autêntica.

2 comentários:

  1. Tava curiosa pra saber o que achasse de Fourplay. Achei genial, forte, inquietante. O homem moribundo ainda é capaz de dá prazer a alguém. A genialidade do ser humano se apresenta surpreendente... Após um programa, servente e servido nunca mais serão os mesmos. Usurpando as regras comuns de uma prostituta e seu cliente, se beijam na boca e constroem um afeto irracional, transformador. Achei o roteiro fodástico!

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  2. Fourplay realmente me ganhou. Incrível o desenrolar de uma temática que, mesmo sem a genialidade do roteiro, já seria inovadora.

    sobre Junior e Girl, juva, concordo contigo. quando o segundo começou, pensei que eles teriam bastante pano para mangas se soubessem por onde ir. mas não souberam.

    Junior, por outro lado, nos teletransporta de volta às agonias adolescentes de um modo nada usual, sem aquele ar de frescurite tão comum quando tratam desse assunto.

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