sábado, 5 de novembro de 2011

FEBRE DO RATO

Bárbara Buril

O universo flaneur de Febre do Rato

Viver ou não viver os espaços urbanos? Eis a questão. Sob a ótica do flaneur, própria do homem que pode sentir o espírito de uma cidade, Recife pode ser maravilhosa. Apesar do barulho e do mal cheiro, sempre é possível "dar um chute no ovo da ordem", como propôs o poeta Zizo (Irandhir Santos), protagonista do novo filme de Cláudio Assis Febre do Rato. Exibido, ontem (4), no IV Janela Internacional de Cinema do Recife, a Febre lotou o Cinema São Luís.

Em A Febre do Rato, é feita uma densa problematização das questões urbanas do Recife: as favelas estão ao lado de grandes prédios empresariais, o cheiro piora, o barulho ensandece. Zizo, ao divulgar a nova edição do seu periódico marginal Febre do Rato grita em alto- falantes: "Vocês sabem o barulho que essa cidade tem. Vocês sabem o gosto. O cheiro". Todos sabem - nada mais precisa ser dito. Alter-ego de um sem número de recifenses, Zizo denuncia inquietações generalizadas. Diz que quer voltar para a praia: "meu ceu".

Está situado no contraponto do caos urbano o universo de Zizo. Ainda não atingidos pelo fenômeno contemporâneo do ser blasé – em que o excesso de informações atomiza o homem para o toque - os sujeitos de Febre compartilham os corpos, os copos e o tempo. São flaneurs por viverem os parques, as paisagens, os rios e as pontes da cidade. Para eles, todo mundo precisa de amor.

Com a fotografia de Walter Carvalho, o filme inunda a plateia com imagens belíssimas das vivências do grupo. As tomadas de cima, os deslizamentos de câmera e a escolha pelo preto e branco, em tempos de blu-ray, surpreenderam o público pela ousadia e pela exigência de uma postura contemplativa. Cenas como a do ménage, filmada de cima, encerraram uma beleza inefável. Além de ser menos apelativo que em Amarelo Mangua (2003) e Baixio das Bestas (2007), o sexo em Febre têm mais amor.

Apesar das possíveis rê-bordosas, é preciso ser vivo na vida. “O placar pode não ser justo, mas a partida é boa pra caralho”, confessa Zizo para Pazinho (Matheus Nachtergaele), ironicamente um coveiro. Enterrar mortos-vivos é o intento dos flaneurs de Febre. Propõem liberdade no dia da independência. Pedem anarquia e sexo. Podem até pagar o pato, mas não importa, porque “os afoitos se completam”.

3 comentários:

  1. "Lá se vão os nós, sós (...) Porque os afoitos de completam"

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  2. podem até pagar o rato, rs.

    acho ótima a incompreensão do coveiro diante
    do poema e a compreensão do poeta diante da incompreensão.

    o recife tem a alma doente, atravessada por interesses escrotos. a poesia, o cinema podem ser janelas provocativas, auxiliar num despertar da letargia, mas precisam estar associados aos gestos, às vivencias, aos comportamentos - como nos protestos contra o aumento das passagens, como na rebeldia cotidiana envolvida em vinho e cannabis.

    como dizia o Roberto Piva e seu slogan:
    só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental.

    umbeijo, bárbara.
    hasta lluego, juva.

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  3. Idiossincrasias à parte; eufemismos, também! Lindo texto,Bárbara(desde as primeiras crias, que acompanho).

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